sábado, 11 de agosto de 2007

UM CONTO DO MEU PAI

Rodrigues Marques

A vingança
Sentou-se no sofá um tanto duro, mas bonito, e ficou impassível durante muito tempo. Viu ao alcance da mão uma caixa de charutos quase completa e retirou um para o vício que não tinha. Não achando o cinzeiro sobre a mesinha de mármore, começou a atirar cinza na escarradeira de porcelana e, depois, pelo soalho em volta, indistintamente. À sua frente, um enorme retrato amarelado de um senhor segurando a curva de um guarda-chuva, ao invés de uma bengala, que seria mais decente e o costume.
Levantou-se e seus sapatos estavam acostumados ao próprio ranger. Rodou pelo salão imenso, onde candelabros de cristal quase roçavam em sua cabeça calva. Desceu a pequena escada do alpendre e percorreu o jardim, onde as saúvas cruzavam, ocupadas em longas passeatas. Colheu uma rosa amarela que ainda havia e, voltando ao salão, atirou a flor no chão e esmagou-a com o sapato do bico fino enlameado de terra vermelha.
Tornou num segundo ao mesmo sofá e sua vista rumou para o retrato antigo de olhos tão inexpressivos. Há anos havia um espelho de grandes proporções na parede e de forma indecifrável. Não se lembrava se fora ele que o mandara retirar ou quem. A verdade é que sem o espelho na parede ficara sua marca impressa pelo tempo.
Levantou-se e deu longas voltas pelo salão. Passou o dedo indicador para constatar se havia poeira na cristaleira: tinha. Soprou dos cristais a poeira. Balançou a cabeça com seu ar de imposição. Tinha que reconhecer: nos tempos idos, era um brilho aquele palacete. Perguntara, naquela noite antiquíssima :
— Foi jogatina ou mulheres?
O outro respondera:
— Nem uma coisa, nem outra.
— Jogatina faz crescer a ganância; mulheres, a cegueira da volúpia e o seu próprio limite. Se você tivesse seguido meu exemplo, ainda podia ter aquelas fazendas, por onde os animais passavam semanas e não alcançavam o fim.
Ele baixou a cabeça e o orgulho. O outro olhou-o como se o visse de cima.
Depois destas palavras, subiu os degraus que davam ao banheiro, fingindo uma necessidade. O outro o acompanhou a poucos degraus de distância, lembrando que por aquele corrimão, quando crianças, desciam lustrando a madeira com os fundilhos de suas calças.
Quando o outro saiu do banheiro, perguntara, novamente:
Foi jogatina ou as mulheres que acabaram com a dinheirama que lhe emprestei?
— Nem uma, nem outra
— Pois me diga a razão.
Ele riu, afundado numa pergunta que não tinha resposta.
O outro meteu a mão por baixo do colete, tirou uma arma e apertou o gatilho umas seis vezes.
No final da escada – os olhos esbugalhados – o amigo disse, irônico:
— Minha vingança é que você nem usou, nem nunca vai usar um brinco vindo do oriente.